sábado, 15 de novembro de 2014

[Contos]                  Adeus e Obrigada.

Adeus e Obrigada.


Finalmente o fim estava próximo. Uma cozinha vazia, paredes riscadas com pedidos de socorro de uma alma abraçada por espinhos. Uma música ecoava baixinho, sendo a única que compreendia e partilhava de um sentimento tão profundo como o da angústia. Os lábios rosados e pequenos, do tipo moldado para ser beijado, se moviam delicadamente cantarolando quase aos sussurros cada verso, com lágrimas em seus olhos castanhos. — "Oh death, come near me... be the one, for me... be the one, the one, who staays..." —

Chovia fino lá fora, mas não o suficiente para lavar a alma e carregar a sua dor para longe. Uma vez que estava pronta, se entregou ao seu destino e chorou tudo o que tinha, sentiu tudo o que podia, jogou-se no colo da solidão como se fosse a única que pudesse envolvê-la num último brilho de compreensão, e a ela, ofereceu sua vida. — "My rivers are frozen, aand mischosen, and the shadows, around me, sickens my hearth. "

Não havia motivos fortes o suficiente para impedir que fosse feito. O peso em suas costas, a dor em seu coração e o vazio em sua alma culminaram naquilo que considerou como a única coisa boa que ganhara na vida. Porém, apertou-lhe o coração imaginar que finalmente chegaria a hora da despedida. A ideia de abandoná-la em um mundo cruel e mesquinho a aterrorizava. Porém, não tinha mais forças para lutar. Queria ser forte, imaginou-se dando a volta por cima, idealizou que poderia se reerguer, mas aí veio a dor. E entre um corte e outro, lembrou-se de ser uma inútil. Incapaz de fazer qualquer coisa que pudesse se orgulhar. Sem espaço no mundo, dentro de quatro paredes que isolavam sua insignificância.



Ali, sentada entre uma parede e outra, com uma navalha na mão, lembrou-se das vezes que, numa tentativa de ser feliz, entregou seu coração. Ofereceu seu carinho, seu amor, sua cumplicidade, mas que pouco a pouco, entre um relacionamento e outro, foram mutilados. Um corte raso para cada “Ei, temos que conversar.”. Um mais profundo para cada “Eu não te amo mais…”. E, entre uma decepção e outra, fora perdendo mais e mais de si. Aquele sorriso se foi. O olhar agora carregava olheiras e grandes marcas que deixavam claro que chorou tanto quanto amou. Por fim, sua alma não era a única coisa mutilada, no final. Fechar os olhos era um convite à tortura psicológica. Neste caso, lembrava-se das promessas. Hoje, tão quebradas quanto seu espírito. Sua aparência já fora melhor. Não era tão bela quanto desejava, mas possuía em seu sorriso uma beleza secreta que raras mulheres possuem. Seu corpo era comum, mas perfeito do jeito que era. Pequeno, delicado e sedento por abraços fortes e colos de um amor sincero. Pensou-se amaldiçoada pela falta do que considerou como atributos essenciais numa mulher, a julgar pela aparência de cada algoz que roubou um pedaço de sua vida. Talvez esse fosse o real motivo pelo qual abdicou de vez do próprio corpo e passou a vestir trapos longos e que a transformavam numa versão mais jovial de sua avó. Sua vaidade se foi, assim como sua esperança no futuro. — Não há futuro quando só existe dor. — pensou. — Esse mundo não é lugar pra mim…

Decidida e com lágrimas nos olhos, olhou para sua filha. O único resquício remanescente de felicidade. Um pequeno raio de sol, que, como uma vela na escuridão, a salvou de uma vida mergulhada nas trevas. Estava definhando dia após dia, mas ali, com ela, existia alguém pra finalmente dar o amor puro e sincero que possuía naquilo que restou de seu coração. — Amor deveria ser incondicional. Amar deveria ser um sentimento perpétuo. Como é possível viver sem amor? Como é possível o amor simplesmente terminar? Eu me doei tanto, eu quis tanto, eu amei tanto, que no fim, só sobrou isso que você vê. Eu tenho que te pedir perdão. Eu estava cega. Desde o início, eu deveria saber a quem amar. Todo meu carinho deveria ser seu, todo meu amor, todo o meu tempo. Você é a luz da minha vida e não tem forma maior do que te retribuir tudo aquilo que me foi negado. Mas veja só… Eu também falhei com você. Fiz escolhas erradas, dei meu amor a quem cuspiu em cima. E agora, por mais que eu te ame, eu não consigo mais… Dói… Dói demais. Não peço sua compreensão, pois nunca me perdoaria se, por um segundo que fosse, sentisse uma angústia como a que eu sinto. Mas mesmo assim, me sinto uma fracassada. Agora que te encontrei, sou um recipiente quebrado. Não tenho forças pra continuar, fui burra, inocente demais, e agora, tenho que abandoná-la, assim como fizeram comigo. Por favor, me perdoe! Por favor, eu preciso do seu perdão, eu não posso suportar saber que te magoei, essa dor é demais pra mim. Eu não posso suportar mais dor, só quero que tudo isso acabe!

Desatou a chorar. Encolheu-se ali mesmo, sobre o chão gelado, e abraçou as próprias pernas, como uma criança. Apesar de estar no ápice de sua juventude adulta, ainda era uma menina. Uma que recisava de carinho e de afeto. Uma menina que, com esperanças, tentou a vida e seus sonhos na cidade, sozinha. E agora, restava enxugar, com sua enorme camisa cinza, o peso das lágrimas. — Me desculpe. Eu sei que tenho sido egoísta. Sei que não mereço seu amor. Por mais que seja minha filha, às vezes eu sinto que por natureza, amor e carinho talvez não seja algo que possa me dar. Ou talvez, eu não mereça. É provável que seja isso… Mas mesmo que não sinta por mim, o que sinto por você. Mesmo que seu sentimento por mim seja movido à base de piedade, eu ainda te amo. — Puxou-a para junto de si, em uma tentativa de abraço. Agarrou-a em seus braços e sentiu o calor lhe aquecer a alma. Sentiu, de alguma forma, ambos os corações batendo em sintonia. Entretanto, tal abraço durou apenas quatro segundos, antes que sua própria filha escapasse dos seus braços e apenas a olhasse dentro dos olhos, sem conseguir dizer nada. Talvez fosse difícil pra ela entender, mas ali ficou, ouvindo os últimos lamentos de sua mãe. — Obrigada… Esse abraço valeu mais do que tudo que já senti. Talvez, a vida precisa de mais abraços como esse. A vida, para mim, acaba por aqui. Mas, para você é apenas o começo. Me sinto triste por ter que partir, por ter perdido tanto tempo até finalmente chegar a você. Mas se minha vida mesquinha teve algum sentido, foi ter você. Cuidar de você, sentir você. E mesmo que futuramente você me esqueça, como todos fizeram, eu nunca vou te esquecer. Obrigada por me fazer sorrir uma última vez. Seja feliz, Nina...

Com um sorriso nos lábios que resgatou um pouco da beleza singular que possuía, a navalha fez sua parte e desceu, inexorável. Foram necessários apenas dois cortes fundos. Um era o adeus e outro o obrigado. O sangue correu rápido. Vermelho e quente. Após feito, fechou os olhos, o que foi seu maior erro. Lembranças novamente vieram à tona, como flechas em seu coração que logo pararia de bater, e voltou a lembrar como os planos viraram cinzas. Como o amor estava fora de moda. Em como se tornara um objeto por amar verdadeiramente. Novas lágrimas surgiram e já com a voz fraca e desaparecendo, entoou baixinho a ultima canção de sua vida, que se dissipava em cada verso. — “Oh shead a tear for the loss… of innocence. For the forsaken spirits who ashes… in uus. Cry for the heart who surrenders to paaain, for the solitude of those, leeeft behiiind. Behold the pain and sorrow of the world. Dream of a place away from this nightmare. Give us love and unity, under the heeaarth of night… oh death, come near us e give uus some lifee…”

Nina ficou ali, quieta, enquanto o corpo de sua mãe falecia, até que finalmente aconteceu. Não esboçou nenhuma reação. Apenas abanou o rabo e olhou uma última vez ao corpo ensanguentado, no rodapé da cozinha. Caminhou devagar, com suas quatro patas felinas, pela poça de sangue, até a sua mãe e deu uma leve lambida no corpo. Estava frio, sem vida. Apenas um cadáver. Rapidamente, virou-se de costas para ela e saiu do cômodo, deixando apenas as marcas vermelhas de suas pegadas. Chegou até a sala, ainda em silêncio, e saltou sobre o sofá. Ajeitou-se em um canto precisamente especifico do mesmo e deitou sobre ele. Olhou para cima e deu um pequeno miado, como se respondesse a alguém. Olhou fixamente com seus olhos felinos, repletos de lendas, para um ponto em especial. Deitou no local e por ali ficou. Por uma, duas, até o fim da sua sétima vida. Há muito misticismo sobre os felinos. Um deles é que gatos possuem sete vidas. Outro, é que seus olhos conseguem enxergar além da vida, e um, tão interessante quanto, é que os gatos são fiéis e também sabem amar.

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